



Ponte A
A facilidade e a abundância de produção industrial são um tema recorrente na arte contemporânea. Durante séculos, a obra de arte cuidava de superar, de transcender, o que era simples objeto artesanal. A imagem rustica de um santo, o elaborado artefato de prata que era usado numa missa ou numa refeição, eram esses o tipo de “ produto” com os quais a obra de arte, por assim dizer, “ competia”. O grande artista fazia da pequena imagem de um santo o grande quadro, o tríptico espetacular de um oratório, a peça central de um altar de igreja. A diferença entre um produto artesanal e a obra do artista , era sem duvida, “qualitativa”. Mas a era industrial trouxe um outro tipo de diferença, puramente numérica, puramente “quantitativa “. Um quadro de artista começou a “competir”, assim, com centenas ou milhares de imagens iguais, produzidas em série, industrialmente. Essa realidade, a da obra única contra o produto fabricado em série, foi tratada de forma irônica por alguns artistas celebres, em especial a partir da metade do século 20. Basta pensar em Andy Warhol, reproduzindo “ artesanalmente” um produto tão banal – e produzido às centenas de milhares- como uma caixa de produto limpeza. Ou multiplicando , em series de gravuras, o mesmo rosto fotografado como celebridades como Elisabeth Taylor ou Pelé. Havia , sem duvida, ironia nessas alusões à produção industrial. Mas também era possível ver na “arte pop” de Warhol e seus seguidores, uma espécie de comemoração . Tudo é produto, tudo é industrial, tudo pode ser belo, uma vez tocado pelo olhar do artista. O final do século 20, e o tempo presente, impuseram muitas reservas a esse tipo de relacionamento do artista com o mundo industrial. A facilidade na multiplicação dos produtos revelou, com os problemas conhecidos no meio ambiente, o seu avesso: É a multiplicação do lixo, o não saber o que fazer com as sobras da riqueza industrial o que nos preocupa agora.
As obras de Debora Muszkat retomam, de um lado , a descoberta da beleza do produto industrial e a comemoração, por assim dizer, daquilo que é a imagem produzida em série. De outro lado, retomam a ideia da produção artesanal: o quadro que é pintado de fato, com a mão do artista; ou a joia, o adereço, atravessa, o prato decorativo, o produto útil que é transcendido pela imaginação criativa. Esses dois “lados”, esses dois aspectos de Debora Muszkat se unem à preocupação ecológica. O vidro – material artesanal antiquíssimo- é re encontrado nos produtos contemporâneos- garrafas, recipientes, vidros de perfume- e se torna objeto de reciclagem. No lixo industrial, nos objetos incontavelmente repetidos , iguais a sí mesmos, aos quais não sabemos dar destino depois de utilizados, a artista re encontra a pura das cores e das transparências, refazendo , recompondo, num forno industrial de pequenas dimensões, a forma original dos objetos abandonados.
É o caso das garrafas que ela derrete, abrindo espaço a para a intervenção do acaso, transformando um objeto idêntico a milhares de outros numa obra única, sempre diversa de seu original. Ou então é a “ colagem”, ou o “ mosaico” de cacos de vidros coloridos, o inútil industrial, a caminho do lixo, é salvo, é recuperado, através de um ato manual de destruição.
Garrafas velhas são destruídas a marteladas, gerando os cacos que servirão, depois, para a criação de verdadeiros vitrais de igreja.
Só que não há igreja na obra de Debora Muszkat. O vitral, a rosácea, se expõem ao ar livre, é a luz aberta de um parque ou de uma faixada que se filtra nesses vidros- como se sua igreja, e a de todos n´s nessa época de meio ambiente ameaçado , fosse o próprio mundo. Ou ainda, são as próprias gararrafas e recipientes coloridos, deixados intactos, um igual ao outro, que se unem, formando imensos colares, corais, vegetações, arranjos florais, um pouco ao acaso, um pouco pelo trabalho intuitivo da artista. As grandes estruturas de vidro, feita de garragas de varias cores, se recompõem assim numa “ segunda natureza”. É o caso de sua “ aranha” referencia à escultura de louis de Bourgeois, mas referencia tocada por uma lembrança de Andy Wharol também: é o produto industrial reproduzido em série que se recompõem em obra de arte ao estilo “ clássico” da escultura, mas que se recompõem também em bicho, coisa da natureza. Dupla ou tripla reciclagem, portanto: a garrafa é reciclada, mas a escultura de Louis Bourgeous e as “ anti esculturas” de Andy Wharol passam também por uma reciclagem.
O mais novo projeto de Debora Muszkat ”recicla “ ( mais será essa de fato a palavra) mais uma vez as garrafas de vidro industrial – mas também a obra de outro artista, Claude Monet das” ninfeias”. Flores flutuando no lago, que as reflete , e reflete também o céu e a luz do dia. Mas o tema de Monet é retomado num ambiente nada rural, nada idílico, e bastante contemporâneo- a piscina de uma casa. A famosa ponte de Monet em Giverny ganha, aqui, uma tradução quase ríspida, numa estrutura de metal à moda de guindastes.
O jogo de reflexos, entretanto, não se fará apenas por meio do elemento natural da agua de um lago. Além da agua da piscina, também o espelho – esse produto antiquissimo e também contemporâneo, industrial – fará o trabalho de refletir as cores, as flores de vidro imaginadas pela artista. E oque é o espeho, afinal, do que a “maquina imaginaria“ de reproduzir uma coisa igual a sí mesma? Aquilo que a indústria faz todo dia, produzir o mesmo produto, sempre igual, indefinidamente, é simbolizado aqui nos pedaços de espelho que se refletem um ao outro, sem fim, num ciclo infinito de imagens. “ Através do Vidro” de Debora Muszkat nos leva a um outro mundo- que é , finalmente, o nosso e esta ao alcance de todos, quando a visão estética e a visão ambiental dessa artista nos é capaz de conduzir, levemente, com delicadeza, nesse percurso de encontro, reencontro reciclagem com nós mesmos.
Marcelo Coelho fevereiro de 2012
informacoes:
A ponte, assim como o jardim vítreo do ateliê, foram construídos em 2011, com a ideia de fazer deste um espaço aberto ao público, com o vidro em exibição em sua diversas formas – Entre o Liquido e o sólido, muito próximas à natureza.
Traz a conhecimento consigo estes estados, que nos alertam à sua identidade “ natural”, muito próximo à natureza ambiental, conhecida por nós
É uma obra que vive em processo de transformação, assim como a natureza ambiental que cresce e se mistura a cada dia com as “ flores vítreas” do espaço, e tudo interage entre sí de forma harmônica e “ natural!